É engraçado quando, por alguma eventualidade, descobrem que sei tocar violão! Tratam logo de arrumar algum instrumento de 6 cordas para que eu possa brindá-los com alguma melodia. Mas o que se sucede nos momentos seguintes é de uma comicidade trágica que só os marginais e excêntricos d´uma circunferência qualquer poderiam experimentar. Imaginem a seguinte situação...
Lual! Fogueira acesa. Conversas regadas à base de vinho. E o violonista sem aproveitar muita coisa, visto que forçam o coitado a tocar uma música após outra. O dito cujo, então, olha pra mim e profere:
"Ah, mas ele sabe tocar, também!!!" Todos os olhares voltam-se contra mim e, coagido, sinto-me impelido a dedilhar alguma coisa. Penso em meu não muito vasto repertório e começo a tocar algo de meu agrado... Interpreto, então, O
Rondó Opus 241 de Carulli, o
Capricho de M. Giuliani ou então a caliente
Malagueña, do espanholíssimo Tárrega. Assim que termino a execução da música, levanto o rosto e vislumbro expressões faciais que habitam algum novo lugar entre o
pathos e o
lógos, revelando o sentimento de apatia e incompreensão que se instalou naquele momento. Então, depois de assobios e desvios de olhares, como que pra amenizar o clima, alguém pronuncia:
"Sabe alguma do Legião Urbana!?!?"...
Deixem a historinha de molho e vamos visitar os helenos clássicos, agora. Platão, em toda a sua ociosidade criativa, foi o primeiro pensador a deixar uma vasta obra escrita (mais de 60!!!...). Entre elas, encontramos
A República, um projeto utópico no qual a sociedade é governada por Magistrados filósofos. Encontramos nela, também, os Guerreiros, espécie de mantenedores da ordem (polícia moral? Hum...). E, finalmente, os Artífices, trabalhadores que sustentam todo o Estado com suas produções (de agricultores a médicos, passando por artesãos, músicos, caçadores - enfim - o pessoal que trabalha de verdade...)! Somos tentados a ver estas classes sociais organizadas numa hierarquia, onde os
bons, belos e justos Magistrados mandam. Simples assim... Nada mais distante da Politéia Platônica, entretanto! Não há hierarquias (embora o próprio Platão - adepto da mentira pedagógica - afirme que assim o é...). Há, tão somente, cada um cumprindo o seu próprio papel. Cada um dando o melhor
de si mesmo, fazendo o máximo
de si mesmo, realizando totalmente
a si mesmo...
Ainda na Grécia, damos um pulinho na escola ao lado. Aristóteles, ao contrário de seu mestre Platão, não era muito dado a idealizações e frescuras afins. Considerado o pai da Lógica formal e o primeiro cientista na concepção capital-moderna do termo (perdoem-me o anacronismo...), era um homem de atividade. Se em Platão, encontramos um excesso de
theoria (visão, contemplação), em Aristóteles vemos a
práxis (ação, prática) personificada. Observamos tal pragmatismo, por exemplo, em sua obra
Política, na qual separa a ética (de caráter individual e psicológico) da política (social, comunitária). O homem, dotado de
lógos (verbo, palavra), é um animal comunicativo, grupal, e só se desenvolve quando inserido numa
pólis. É na presença do outro que o homem pode atualizar as suas potencialidades!
Ser aquilo que já se
é! Interessante como o conceito greco-latino
idiota aplica-se muito bem, aqui. Idiota é todo aquele que se exclui da atividade política. Idiota é todo aquele que não se torna a si mesmo, pelo outro.
Vemos, tanto no almofadinha Platão quanto no menino-malino Aristóteles, a mesma idéia de "ser
a si mesmo para o bem do outro"! Sistemas filosóficos antagônicos, mas que acabam convergindo para um mesmo ponto. Tanto a transcendência das idéias quanto a imanência da potência nos dizem:
"Seja você mesmo! Mas seja você mesmo para o outro!".
"Tá! E Daí!? Onde você quer chegar" Vocês me perguntam... Bem, devolvo uma outra pergunta aos senhores:
"É correto impôrmos uma forma de fazer política aos neófitos, sendo que cada um deles possui uma ética própria, uma idéia particular, uma potência individual pronta pra ser atualizada? Seria correto chamarmos "idiota" todo aquele que se negue a fazer comum unidade conosco, só porque ele pensa e atua no mundo de forma diversa da imposta? Não seria ele mais "idiota" se deixasse de ser ele mesmo, deixando, assim, de cumprir seu papel individual na "pólis"?"
Deixemos que toquem violão como quiserem! Com o tempo, eles perceberão que não é sábio isolar-se... Mas é muito menos sábio agrupar-se apenas por se agrupar! Com o tempo, eles tocarão novas melodias, mas ainda embaladas pelo antigo sabor que ressoava em suas cordas! Podemos, sim, ensinar os violonistas a tocar o "Legião". Mas - de forma alguma! - podemos inibí-los quanto ao que eles realmente PODEM e QUEREM tocar. Sejamos egoistas sabiamente...